segunda-feira, 20 de abril de 2009

Poema - Coral das Abelhas


CARTAGO FUI EU

Canta um pássaro morto sobre o dia
que a muitos outros já se misturou
algo abaixo dos ramos silencia,
treme a terra na pedra que restou.

Vem de que mares essa nostalgia
que meus ossos fenícios engessou?
De Cartago, talvez, da noite fria
transformada no pássaro que sou.

Esse canto noturno me extenua.
Vem de Cartago, sim; da negra lua
por dono o sol que abrasa, mas festeja.

Esplende a noite em látegos de urtiga.
Brinda-se à morte ao cálice da intriga.
Meu corpo, feito escombros, relampeja.


O DESENCONTRO

Uma folha tremula
sobre o branco aflitivo dos garfos.

Passado & futuro
são fronteiras de aragem.

Formigas saem das tocas
ganham asas de louça.

Cristais se fundem
no brinde sem eco.


FRAGMENTO

À tarde e à noite
o poeta está ausente.
Relógio e calendário
ficaram do avesso.
Ele usa a freqüência dos búzios
e capta as notícias que envelhecem
antes da letra e do chumbo.

Percebe, então, que falta um elo
para cada coisa.

Possivelmente indecifrável.

PROSPECÇÃO

Ninguém te vê.
Só os ventos te penetram.

Ninguém que esteja saciado
ou faminto
necessita de ti.

Neste exato sem nome
reintegra-te à nuvem que passa
e ao canto das aves.

o poeta, já o disse,
é um ser transparente.

Invicto. Desnecessário
entre porcos, hienas
e outros viventes

solidariamente incompletos.

Extraídos de POEMA-CORAL DAS ABELHAS. Fortaleza> Ed. Autor, 1999. 77 p.

Nenhum comentário:

Postar um comentário